O que você precisa saber antes de começar a ler A Divina Comédia

Informações essenciais para entender a viagem de Dante pelo mundo dos mortos

Carla Leonardi
rascunhando

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Incialmente intitulada Commedia (1314), a obra de Dante Alighieri ganhou o “Divina” posteriormente, atributo dado por críticos e leitores. Ela relata a viagem do poeta — em primeira pessoa — pelo mundo dos mortos. Assim, ele inicia sua trajetória descendo pelo Inferno, depois subindo pelo Purgatório e, finalmente, ascendendo ao Paraíso. Tudo começa numa Sexta-feira Santa, no ano de 1300 d. C., e vai durar uma semana.

Nos primeiros versos, Dante está perdido numa selva escura (na quinta à noite), em Jerusalém, no alto no monte Gólgota, onde Jesus foi crucificado. Essa localização era considerada pelos antigos o ponto central do hemisfério norte da Terra — e é ali que está a entrada do Inferno, correspondendo ao local exatamente oposto ao Purgatório, do outro lado do planeta.

Dante perdido na selva escura, por Gustave Doré

O Purgatório seria uma ilha solitária, afinal, o continente americano ainda não era conhecido naquela época e se achava que no hemisfério sul só tinha água.

Abismo do Inferno e monte do Purgatório

Essa “arquitetura” teria se dado pela queda de Lúcifer do Paraíso. Você se lembra disso? Ele era um belíssimo anjo que resolveu tomar o poder e se tornar mais importante que Deus. Para isso, reuniu um exército de arcanjos e tentou fazer a revolução.

Acontece que ele e sua turma perderam para os “anjos do bem”, liderados por Miguel, e foram expulsos. Com isso, Lúcifer e seu séquito caíram — os anjos caídos — , e foi essa queda que criou o abismo do Inferno (um cone que vai se afunilando cada vez mais, espiralado), fazendo com que ele se tornasse Satanás. Foi justamente esse deslocamento de terra que criou, do lado oposto, o monte do Purgatório.

A queda de Lúcifer, por Gustave Doré

Ah, isso não está na Divina Comédia (na edição que li, estava nas notas e no livreto explicativo), mas é só um exemplo das zilhões de referências que você precisa ter ao longo da leitura.

Mas por que Dante vai fazer essa viagem se ele não morreu?

Porque sua amada Beatriz, ser de luz que morreu muito jovem e está no Paraíso, se preocupa com os caminhos que o poeta anda tomando na vida. Querendo ajudá-lo (com a permissão de Deus, é claro), ela desce ao Inferno — mais especificamente ao Limbo — e pede a Virgílio (sim, o poeta romano autor de Eneida) que o acompanhe nessa viagem. Assim, passando pelos pecadores no Inferno e vendo suas punições, pelo Purgatório e finalmente chegando aos céus, seu amado verá que precisa trilhar um bom caminho e retornará para o mundo dos vivos trazendo um impressionante relato.

Voltando à selva escura…

Dante começa os versos contando que está perdido e cercado por três animais (ou três bestas), cada um deles representando uma categoria de pecado: leão (violência), loba (malícia/fraude) e leopardo (incontinência).

Ele está morrendo de medo, até que avista Virgílio, o poeta que será seu guia pelo Inferno e pelo Purgatório. O autor da Eneida, das Geórgicas e das Éclogas explica que foi mandado para essa missão por Beatriz e, com isso, Dante cria coragem para começar o trajeto. Ainda assim, ele vai ter medo, pavor e pena o tempo todo — o Inferno, afinal, é realmente assustador e bizarro (daí o posterior termo “dantesco”).

No canto III (já na sexta-feira), finalmente, eles passam pelo portal do Inferno, que traz aquelas famosas inscrições (vou copiar a tradução da edição da Novo Século, que é mais fácil de entender e sobre a qual falei aqui nesse post).

Por mim se chega à cidade dolente,
De mim procedem os sofrimentos eternos,
Em mim se encontram as almas perdidas.

Justiça moveu meu glorioso criador;
Construíram-me o poder divino,
A mais alta sabedoria e o amor primordial.

Antes de mim ninguém foi concebido,
Senão os seres eternos; e eu sou, eternamente.
Vocês, que entram, deixem para trás toda a esperança!

A estrutura da Divina Comédia

A obra é composta por 100 cantos (pense como capítulos): são 34 no Inferno, 33 no Purgatório e 33 no Paraíso. O Inferno tem um a mais que corresponde à apresentação.

O texto todo foi escrito, originalmente, em versos decassílabos seguindo a chamada terza rima. Cada estrofe tem três versos, sendo que o primeiro rima com o terceiro e o segundo rima com o primeiro da próxima e assim por diante. É genial.

Isso é parte constitutiva da obra e faz diferença na tradução, é claro. A edição que eu li não respeita essa estrutura, a fim de conseguir deixar a leitura mais fácil. Perde-se muito nisso? Sem dúvida, mas são escolhas. E nada impede que você leia outras traduções depois.

Um pouquinho sobre Dante

Dante teve uma vida, digamos, agitada. Não vou entrar nessa questão aqui, mas é importante saber que, por entraves políticos, ele acabou sendo expulso de Florença, sua cidade natal. Esperou por toda a vida uma redenção, que não aconteceu — ao menos não enquanto estava no mundo dos vivos.

Dante Alighieri, por Gustave Doré

O poeta escreveu sua grande obra no exílio e aproveitou para se vingar, pelas palavras, de seus inimigos. Ao longo da viagem, Dante encontra vários deles sofrendo no Inferno, por exemplo.

Ele também aproveita para criticar a Igreja Católica e poderosos da época. O que não faltam são papas sendo penalizados por demônios. Pois é.

Dante Alighieri acabou sendo sepultado na cidade italiana de Ravenna. Em Florença, porém, há um túmulo vazio destinado ao seu mais brilhante cidadão. Onorate l’altissimo poeta (verso do Inferno que significa “prestem homenagem ao ilustre poeta”) está em sua lápide, que continua: L’ombra sua torna, ch’era dipartita (“a sua sombra, que por um tempo se foi, agora retornou”) — embora nunca tenha podido, de fato, voltar.

É isso. No próximo post, vamos ao Inferno, sim? Caronte nos espera.

Caronte, o barqueiro do rio Aqueronte. Em suas margens, ficam as pobres almas que serão levadas ao Inferno — de onde jamais sairão.

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Carla Leonardi
rascunhando

Jornalista e leitora inveterada. Conversando sobre livros no Instagram @ca.leonardi